domingo, 26 de janeiro de 2014

E porque o assunto é moda...


Não fui praxada. Começo por dizer isto, antes que me acusem de defender ou mesmo de atacar a praxe tendo a minha experiência como referência. Não fui praxada e iniciei a minha vida universitária num país onde a praxe é proibida por lei. No entanto, o meu secundário foi recheado de conversas à volta das praxes e foi no meu décimo segundo ano que assisti pela primeira vez a algumas das praxes realizadas na zona de Lisboa.
Depois disso, no meu primeiro ano de licenciatura em Paris, realizei um trabalho de investigação para uma cadeira de estudos lusófonos sobre as praxes. Passei três meses na biblioteca da Gulbenkian em Paris a ler livros sobre a história das praxes, troquei e-mails e conversas com pessoas ligadas a comissões de praxes de várias universidades do país, fiz uma sondagem a estudantes universitários para saber a opinião que têm sobre as praxes. A maioria foram praxados, gostaram, apesar de alguns dizerem que devia haver mais regulamentação, que em algumas universidades "cada veterano faz o que quer".
Há um ano, comecei a namorar com um estudante universitário português e foram já várias as conversas sobre praxes e tradição académica que tive com ele. Ter uma opinião de alguém que passou e passa regularmente por elas é útil. Comecei a ler mais e a interessar-me mais, por este tema. E eis que em dezembro, acontece a tragédia do Meco.

Mas há que separar as águas (expressão tão apropriada). Não se deve, nem se pode, falar da praxe no geral quando se fala da situação que se passou no Meco. Aliás, mesmo sem o caso do Meco, não se deve falar da praxe no geral. Por uma questão muito simples: desde que universidades de todo o país começaram a criar a sua própria praxe, a praxe deixou de ser uma tradição. Não se pode falar da praxe da Universidade de Lisboa da mesma maneira que se fala da praxe da Universidade de Coimbra. E mais que isso, mesmo dentro da zona de Lisboa, há tantas diferenças entre as praxes realizadas por diferentes universidades ou institutos politécnicos. A praxe não é igual, deixou de ter regras iguais desde o momento em que saiu de Coimbra.
É injusto para universidades que organizam praxes onde a única regra é integrar os novos alunos que se fale delas como se fossem seitas. É injusto serem metidas no mesmo saco onde estão universidades que sim, maltratam, rebaixam e magoam os novos (e não só) alunos.

Se queremos falar da situação do Meco, falemos. Falemos da irresponsabilidade não só de um, mas de sete estudantes adultos que decidiram ir para a praia do Meco de madrugada quando toda a costa portuguesa estava sob alerta de mau tempo. Falemos da irresponsabilidade de se praxar na praia, se disso se tratou, de noite, sem luz. Falemos da irresponsabilidade de jovens adultos não saberem dizer não a ordens que eram perigosas. Falemos dessa irresponsabilidade, da até estupidez desse grupo, da submissão dessa malta, da cegueira com que seguem ordens de outro só porque é superior numa hierarquia que não lhe vale de muito perante situações de perigo. Falemos disso sim, mas falemos da Lusófona, falemos dessa universidade e das praxes por ela praticada (mais: falemos das praxes praticadas por esse grupo de sete estudantes, visto que, após informação de alguns alunos, nem todos os cursos da Lusófona se regem pelo mesmo código de praxe).

Criar uma lei ou, no mínimo, algo que estabeleça regras perante as praxes? Muito bem, sou totalmente de acordo com isso. É preciso proibir os maus tratos, as situações de perigo, as situações de submissão total, as situações onde alguém obriga outro alguém a fazer algo que ele não quer. É preciso trazer segurança aos alunos, é preciso proibir as praxes em que os senhores veteranos, cegos pelo poder, possam vir a criar situações de perigo e violência. É preciso proibir essas praxes.

Agora, se faz favor, a praxes onde o único objectivo é integrar e permitir que no final do dia os alunos conheçam o nome de cada um e que nenhum saia dali sozinho, essas praxes não devem ser proibidas.